quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Roberta

Ontem à noite a Roberta me ligou. A gente não se falava há meses. A Roberta é aquelas amigas que a gente faz por acaso, na fila do cinema. Mais precisamente na fila do anexo do Unibanco pra ver Gabeh, filme iraniano, isso por volta de 1997. Eu já tinha comprado dois ingressos, esperando a Patrícia chegar, em cima da hora como sempre, e não conseguia parar de olhar pra porta do cinema. O filme estava sendo super comentado, então a fila estava grande e já não tinha mais ingresso, afinal era a última sessão de quarta-feira e todo mundo queria pagar meia entrada.

Enquanto eu estava distraída, xingando até a décima quinta geração da Patrícia, porque naquela época a gente não tinha celular, então tinha que marcar o encontro do telefone de casa, ir pro lugar marcado e esperar, alguém encostou a mão no meu braço e disse oi. Voltei pra realidade num tombo. Não gosto de ser tocada por quem eu não conheço, tenho “povofobia”, mas com a Roberta é assim. Ela só fala com você olhando no olho e segurando seu braço, sua mão, tirando o cabelo da sua cara, fazendo um carinho. Mas naquele momento eu não sabia quem era a Roberta e fiquei muito irritada.

“Você tá esperando alguém, né?”, ela me perguntou. “Tô. E ela tá atrasada, como sempre”, respondi. “Eu não consegui comprar ingresso. Se sua amiga não vier, você me vende o dela?”. E foi assim que Roberta caiu na minha vida. Nos apresentamos, ficamos conversando na fila, sentamos juntas e fomos tomar um lanche depois do filme, lá no Frevo. Ela era encantadora, doce, inteligente. Uma ótima aquisição para o rol das amizades. Saímos juntas várias vezes para dançar, beber e jogar conversa fora, durante anos. Agora a gente se vê muito pouco. A vida muda e as responsabilidades nos levam para outros caminhos. Mas ontem ela me ligou.

Depois das amenidades de “que saudade” e “como tá a vida”, veio o convite. “Vamos na Mostra amanhã?”. Fiquei em transe por alguns segundos, tico e teco enlouquecidos, tentando entender o que ela tinha me falado. Mostra? Putz! Tá tendo Mostra Internacional de Cinema. Respondi que não sabia, fazia tanto tempo que eu não ia ao cinema. E ela, “eu também, tem umas três semanas que não vejo nada, estou morrendo!”. Três semanas? Como eu conto pra essa criatura que eu não vou ao cinema há cinco anos, pelo menos? “Ver o que?”, respondi pra ganhar tempo e pensar numa boa desculpa. E aí Roberta desatou a falar do tal filme “The Photograph”, que é sobre um fotógrafo e uma menina que vira sua pupila, que ela não conseguiu pensar em ninguém que fosse gostar desse filme mais do que eu, e que estava passando no Unibanco. “Tenho que resolver algumas coisas, mas te ligo amanhã pra confirmar, okay?”.

Fato número 1: eu não vou cinema há cinco anos, pelo menos, porque a cada ano que passa, eu fico mais parecida com o Jack Nicholson no “Melhor é Impossível”, já até admiti que eu tenho TOC. O cinema pode estar vazio, o primeiro casal que entrar, vai sentar atrás de mim e falar o filme inteiro. Ou então, vão sentar na minha frente e ficar se amassando o filme inteiro. De uma forma ou de outra, eu não vou conseguir me concentrar, ficar irritada e me arrepender de não ter esperado sair em DVD.

Fato número 2: dez anos se passaram desde que eu freqüentava o Unibanco. Agora eu estou mais velha, mais chata, menos paciente com pessoas pseudo-intelectuais que vão ao cinema com um livro do Karl Marx debaixo do braço. Ah, vermelho? Só na bota e no batom, não na política.

Fato número 3: o último filme que vi numa Mostra foi “Corra, Lola, Corra”, ainda no século 20.

Fato número 4: o filme que a Roberta quer ver parece ter um enredo interessante e eu realmente posso gostar. Mas ele é indonésio. Não que eu só veja filmes hollywoodianos, mas se nada acontece em mais de cinco minutos de filme, eu durmo. Logo depois que a Roberta desligou vi que estava passando “Sonhos”, do Akira Kurosawa na TV a cabo e pensei que seria um bom estímulo pra eu ver um filme de arte. Passei pela infância com muito custo, mas não sobrevivi às memórias da guerra. Dormi durante todos os outros seis capítulos.

Acabei de ligar pra ela inventando uma reunião com cliente, e fiquei devendo uma cerveja. Vou passar a noite vendo o sexto episódio da terceira temporada de Heroes, que eu baixei essa madrugada. O 2.0 está matando minha vida social...

3 comentários:

LUCIANA VASQUES BARBOSA disse...

humor e atitude. decisões precisas e fidedignas. a autora que não quer calar... heheheheheheheeh

laura sobenes disse...

ai, papai do céu, obrigada pela decisão da Rita de criar um blog!

Madalena Leles disse...

Heroes, Lost... essas coisas acabam com a vida social mesmo, tenho medo de alugar ou baixar essas temporadas. Mas, ao mesmo tempo, não passo um dia sem jogar Wii. Ok. Péssimo.